quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Grandes lendas da SNES



Se há uma característica marcante da raça humana, além da nossa habilidade natural de não se dar bem uns com os outros, é o dom da criatividade. Duvido muito que um ser de outro mundo fosse capaz de escrever peças de teatro, compôr músicas que ficam presas nas nossas cabeças meses após termos ouvido-as pela primeira vez, ou descobrir como equilibrar um salário mínimo até o fim do mês que vem.
E a humanidade mostrou essa criatividade ao longo de sua (relativa) breve existência nesse planeta. Os nossos ancestrais primordiais combinaram pedras afiadas, cipós e paus e inventaram ferramentas que os permitiram pela primeira vez quebrar as cabeças de seus semelhantes. Os homens mesopotâmicos criaram um Deus que até hoje faz com que gente dê dez porcento do que ganha a líderes de igrejas. Nos tempos mais modernos, o homem misturou pólvora e ferro e criou as armas de fogo, excelentes ferramentas para acabar com discussões. Mais recentemente, o homem uniu computadores através de cabos e protocolos de comunicação e descobriu uma forma revolucionária de receber pornografia de graça em casa. Não precisa ser um gênio pra perceber que a criatividade humana foi a ferramenta que nos permitiu ser algo além de macacos jogando merda uns nos outros.
Criatividade é um privilégio de qualidade divina. Vemos-na em muitos locais, e ela é sempre recompensada onde é encontrada. Porém, não há um grupo mais criativo neste universo do que os jogadores de videogame. Por um motivo simples.
Basta entregar um jogo qualquer na mão de um moleque de 11-13 anos, em menos de uma hora ele jurará que existem ao menos 3 vezes mais fases do que realmente há no jogo.
Deixa eu explicar melhor.
Todas as pessoas que tem mais ou menos a minha faixa etária, ou seja, que cresceram e amaram os mesmos jogos eletrônicos que eu, devem conhecer estas fábulas a que me refiro. Promessas de segredos escondidos, profecias sobre mundos nunca antes explorados, lendas de mistérios que esperavam por você.
Parece muito importante, a despeito do fato de que na verdade não era nem um pouco. Estou falando aqui daquilo que aconteceu com todos aqui, em algum momento de suas vidas, se você possuiu um videogame: seu primo/amigo de sala/vizinho chegava pra você e contava algo sobre alguma área secreta em um jogo qualquer, e a partir daí você deixava de ser um mero jogador de videogame, mas se tornava um verdadeiro desbravador.
Todos aqui tiveram experiências do tipo, de ter ouvido sobre uma suposta fase secreta/item escondido/personagem oculto no seu jogo preferido. Tais mistérios eram confessados por um moleque cujo primo tem um amigo que pegou uma revista americana emprestada do vizinho, e que a tal revista explicava todos os passos de como atingir o Eldorado eletrônico.
E nós, claro, caíamos como patinhos. Toda vez. E passávamos boa parte de nossas infâncias procurando os tais locais misteriosos.
E é disso que esse post fala: das lendas mentirosas e dos sonhos destruídos quando descobríamos que não havia área secretíssima porra nenhuma. Algumas vezes a verdade era mais cruel; o amigo do primo do irmão do menino da escola nem existia!
A Fase na Nuvem
Essa aí esteve nos meus sonhos e pesadelos por quase 5 anos, eu já venerava Super Mario World. Dedicava todo meu tempo livre para jogar-lo. Então. Um belo dia, eu e um vizinho discutíamos sobre quem havia aberto mais fases no jogo. Falei, orgulhoso, que tinha quase todas as 97 fases destravadas no meu cartucho de Mario. O garoto soltou, com um ar de desdém, que duvidava que eu tivesse aberto a “fase na nuvem”. Perguntei, intrigado, “que fase é essa?”. Ele tomou o controle da minha mão e levou meu Mario pixelizado até o segundo mundo, você pode ver na imagem aí em cima. Tá vendo essa nuvenzinha no meio do oceano? Então. O cara jurava que tinha uma fase aí. É desnecessário dizer que eu passei boa parte da minha infância em Donut Plains, o segundo mundo de Mario, tentando achar a passagem que me levaria pra Fase na Nuvem.
A banheira do Honda
Lendas videogamísticas (sei que essa palavra NÃO existe) envolvendo partes do cenário que são supostamente interativas com o jogador são mais numerosas que a quantidade de leitores que não me dão esmolinhas (nenhum), mas a Banheira do Honda era a mais proeminente. Eu particularmente prefiria Mortal Kombat, mas como vocês já devem saber, as lendas dos jogos não se limitam aos grupos que têm afinidado com os tais jogos. Supostamente, havia uma combinação secreta que, se executada corretamente, no tempo certinho, permitia ao Honda pular dentro da banheira no fundo do cenário e lavar a bunda, ou algo do tipo. Vale lembrar nesse ponto que as lendas tinham muitas micro-variações, mas a idéia principal era sempre a mesma. Um dia, peguei Street Fighter emprestado de um amigo da escola, só pra ver se o negócio era verdade – a lenda tinha feito mais uma vítima. Imagino que pelo menos uns cinquenta mil controles de SNES foram destruídos por jogadores frustrados ao perceber que a banheira do Honda era tão inacessível pro avantajado lutador de sumô como portas, corredores e outras passagens estreitas.
A Triforce
Tenho certeza que quando leram os primeiros parágrafos do post, muitos se perguntaram se eu ia falar sobre a lendária Triforce em Zelda The Ocarina of Time. Não é pra menos; a lenda da Triforce era mais notória que Jebus, o doente mental que passa o dia inteiro lá no centro da cidade gritando contra semáforos e pedras. De longe a lenda mais bem trabalhada, a história da Triforce envolvia até mesmo, pasmem, a suposta participação da própria Nintendo! A lenda, ou ao menos a variação que ouvi, era a seguinte: um programador que trabalhou na equipe de de produção de Ocarina of Time fez, sozinho, um JOGO INTEIRO e escondeu o tal jogo, ou ao menos a passagem para ele, num artefato conhecido por gamers no mundo inteiro como Triforce. O tal programador teria morrido (e o contador da lenda sempre enfatizava o drama do cara, dando-o pestilências como hemorróidas cancerígenas ou tuberculepra leucêmica, porque afinal de contas todos tínhamos 11-14 anos e nomes complicados davam credibilidade à história) e o segredo do jogo escondido foi levado junto pra cova. A Nintendo ouviu o boato sobre o tal jogo secreto, e queria descobrir onde ele se escondia, para poder aproveitar e honrar o trabalho do programador, lançando o jogo no mercado. Obviamente a Nintendo não ia fazer algo inteligente, barato e rápido como, digamos, abrir o código fonte do jogo e localizar a anomalia. Não, não. Ao invés disso, a empresa resolveu pagar CINQUENTA MIL DÓLARES pra qualquer jogador que encontrasse a Triforce, tirasse uma foto da tela da TV e mandasse pra eles.
Essa lenda afetou a vida de muita gente. Amigos antes felizes e sorridentes viraram nada além de uma sombra do que eram antes, de tão obcecados estavam em encontrar a tal Triforce e filar os cinquenta mil paus. Tinha neguinho fazendo até planos pro dinheiro, e não tou inventando. Era uma parada semi-deprimente (não totalmente deprimente porque, em retrospecto, os caras eram otários mesmo e mereciam sofrer pela ingenuidade).
Quando Majora’s Mask, a continuação de Ocarina of Time, foi lançado, a lenda morreu. Os boateiros de plantão ainda lançaram mão de uma última tentativa de manter a saga viva, ou seja, deram uma espécie de patch na lorota: eis que de repente, “descobre-se” o sobrenome do tal programador morto era justamente MAJORA, e que o novo jogo era exatamente o mundo secreto atrás da Triforce! Como se pode ver, o engodo é realmente notável. A Lenda da Triforce foi a única mentira que conheço que passou até por update.
O Combo de 99 hits do Subzero
Esse não podia faltar, pois foi uma das lendas que mais ouvi na época gloriosa do SNES. Muitos clamavam ter alcançado o tal combo, outros diziam ter testemunhado a tal sequência, e um número equivalente alegava ter parentes que conseguiram acertar a combinação que fazia o Subzero desferir exatas noventa e nove porradas no seu inimigo. O combo de 99 hits virou uma espécie de nirvana dos videogames, um estado de espírito que apenas os mais iluminados poderiam alcançar. Até o grupo dos Grandes Mestres do MK (que era composto de malucos mais ou menos um ano mais velhos que o resto da turma e que dominavam técnicas milenares dos jogos de luta como cobrir o controle com a camisa pra facilitar o desenvolvimento dos golpes) foi pego de surpresa com o boato. Alisson, o líder não-oficial daquela "gangue" de pré-adolescentes que controlava as partidas de Mortal Kombat com punhos de ferro, foi um dos primeiros a comprar a briga contra a lenda. O moleque passou MESES jogando MK3, e após muito tempo sem notícias sobre ter conseguido ou não o tal combo, foi obrigado a inventar as próprias mentiras. Segundo ele, uma vez ele QUASE conseguiu, mas faltou energia na hora H. Quando essa lorota se tornou velha, ele passou a alegar que tinha conseguido, e que tinha dado pause no jogo (usando um cheat code que permitia pausar partidas de MK3, o que realmente existe) mas aí a mãe dele não deixou ele sair de casa pra dar as boas novas pros amigos. Como ele tava com medo de deixar o videogame ligado por muito tempo e assim foder o aparelho, acabou desligando-o.
Eu tenho minhas suspeitas a respeito dessa lenda. Imagino que alguém tenha visto Killer Instinct pela primeira vez e achado que se tratava de um outro jogo como, digamos, uma versão nova de MK (a confusão entre jogos era um fenômeno muito comum). Havia um personagem em KI, o Cinder, que quando era azul parecia ser feito inteiramente de gelo. Alguém viu o jogo de luta, o personagem de gelo e aqueles combos brutais que eram o carro chefe de Killer Instinct, e pronto. Surgiu uma lenda que, se minha teoria está correta, foi mais um engano do que uma mentira proposital.
Da forma que vejo, as lendas dos videogames não são muito diferentes das lendas sobre montros marinhos, quedas d’água no fim do mundo e muitas outras histórias similares que eram senso comum em séculos passados. Assim como os primeiros navegadores, os jogadores de videogame estão diante de um mundo (ainda que virtual) praticamente inexplorado. Superstição, ignorância e imaginação são os responsáveis para que os exploradores preencham as lacunas desconhecidas com invenções próprias. Hoje, com o advento da informação (no caso, os sites especializados que podem rapidamente confirmar ou omitir tais segredos em jogos), as lendas deram lugar ao conhecimento quase pleno.
A humanidade pode ter demorado pra descobrir que um navio não cairá num abismo sem fim ao se aproximar do “fim do mundo”, mas eu demorei mais ainda pra finalmente abrir mão do sonho de jogar numa fase nas nuvens.

Um comentário:

  1. Rapaz, só lembrei de mim e dos meus amigos azilados jogando Mario e Bomberman na casa de um deles! xD Eu tinha um mísero GBC com Zelda: Oracle of Ages e Pokémon Crystal, mas pense que eu adorava. Fui o primeiro entre meus amigos a ter, daí todo mundo comprou e começaram as discussões em Pokémon. Cacei o Celebi por anos, assim como me iludi com lendas sobre um filhote de Lugia (que meu primo jurou ter cnseguido no Gold cruzando um Lugia e um Dito). Algumas lendas, no entanto, são bem verdades, como as do Pokémn Shyne, o problema é encontrá-los. Uma vez encontrei um Caterpie dourado e finalizei ele sem querer. Nem devo dizer o quanto fiquei indignado, né? Mas uma coisa que muito me chocou nesse jogo foi o final alternativo. Tinha amigos meus que insistiam nessa merda de final alternativo que nem lembro direito como era, mas esse fantasma me perseguia sempre que eu finalizava. Ficava com pena de recomeçar pra não perder os Pokémnos e pra tentar chegar nessa merda de final. Pelo menos, depois de um tempo, aprendi a ter paciência e reconheci as manhas dos três cães lendários, conseguindo assim capturar o Ho-Oh inúmeras vezes! =D E quanto a Ocarina of Time, a da Tri Force que cê contou é a mais leve, pois tem gente que insiste ter encontrado o bendito artefato de diversas formas. E uma de Majora que me deixou pasmo e sem a mínima vontade de cnotinuar por um bom tempo foi a história do quarto dia. D= Juro como aquilo me deixou com medinho!

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